sexta-feira, 13 de março de 2015

Fellini em português suave


 
Amarcord é uma das obras-primas do cinema surrealista italiano. Amado por uns e odiado por outros, é compreensível que muito do que fora escrito acerca do filme não seja, de todo, consensual. Não obstante, para os que dão certificado de qualidade indiscutível aos Óscares, este filme foi galardoado em 1975 pela Academia. Realizado por Frederico Fellini em 1973, retrata a vida de uma pitoresca vila costeira italiana dando enfoque ao perfil cómico de cada uma das personagens e aos seus sonhos e desejos carnais. Desde o tocador de acordeão cego, passando pela desejada (hoje "boazona") Gradisca, pela ninfomaníaca Volpina, pelo louco que grita por uma mulher, pelo padre que tem sonhos anti-convencionais, pelo avô que só pensa em sexo: todos estes personagens são um hino à arte de retratar as diferentes vivências e fases da vida, sempre num contexto de exaltação da comédia dramática. É uma divertida e emocionada visita de Fellini à sua própria infância. O filme não tem uma linha condutora o que pode aborrecer alguns... A história de Amarcord redunda numa observação de um conjunto de pequenos episódios de uma vila à luz do seu tempo: a Itália de Mussolini. Aí consegue ser uma crítica sem perder a sua elevação cómica. É um filme simples com actores genuínos, alguns dos quais foram seleccionados pelo realizador na rua apenas pela sua aparência. É inevitável fazer-se o paralelismo de Amarcord com Rimini, terra natal de Fellini. Esta simetria é mais destacada na cena em que a população da vila se reúne em pequenos barcos para saudar a passagem do navio transatlântico "Rex". Fellini explorou de uma forma genial a paródia dos episódios da vila de Amarcord, tentando sempre reproduzir um conflito cómico de interpretações entre as distintas personagens. O realizador realça tanto um pequeno pormenor da chegada de um pavão colorido que caminha e voa pela neve, como a ideia do contacto de gente simples com as novidades dos turistas que passavam na vila.
Na verdade, penso que existe em cada um de nós uma passagem de Amarcord. A nossa infância e o mundo de sonhos à volta dela, ainda hoje, nos dá azo a uma imaginação única que belisca a realidade dramática. Na vila de Ponte de Lima encontro muita identidade com alguns pequenos trechos de Amarcord. Cada episódio narrado da vila portuguesa com 890 anos de história contribui, ainda hoje, para um chamamento da obra de Fellini. Há episódios limianos que aplicados ao surrealismo do realizador dariam um grande filme ao nível de Amarcord. Também da vila mais antiga de Portugal existem histórias pitorescas aplicadas aos novos tempos. Não há rede social que substitua o sentimento de um meio pequeno onde cada passo de cada um é escutado silenciosamente e o quotidiano seja observado como se de um romance histórico se tratasse.
Mas a parte interessante é que a vida de Amarcord é uma verdadeira festa do mesmo modo que a vida de Ponte de Lima se aproxima sempre da festa, aquela que faz esquecer as fases mais dramáticas da vida, do ano que passou. De facto, é isso que dá magia e vida a uma vila que hoje peca por não conseguir fixar a juventude que emigra. Uma geração que fica, tal como Fellini, agarrada eternamente a reminiscências felizes das quais sonham voltar. Da mesma forma, a adolescência representada por Fellini em Amarcord não iria hoje fixar-se na vila, sendo que, se houvesse uma sequela do filme perder-se-ia a chama dele como um todo. A juntar aos ingredientes do filme de Fellini, está outra obra-prima de Nino Rota. A banda-sonora de Amarcord é de enorme calibre e consegue transportar ainda mais a ação do filme para o ambiente surrealista de Fellini.

Não façamos um exercício de recordação para a eternidade. Como diria Fernando Pessoa: "Vivo sempre no presente. O futuro, não o conheço. O passado, já o não tenho". Rimini fugiu a Fellini tal como muita da tradição da vila limiana fugiu aos genuínos. Assim sendo, enfoque no presente. Vamos vivê-lo esperando sempre pela festa que nos aguarda. Bem-haja Fellini! Bem-haja a esta Vila! Terra de gente boa, e feliz, Ponte de Lima.





terça-feira, 3 de março de 2015

Grouplove, uma lufada de ar fresco


     Um planeta aparentemente tão grande, dividido por 196 países e com tantos biliões de seres humanos, foi capaz de juntar numa das suas pátrias (Grécia) cinco miúdos com a capacidade de formar uma excelente banda indie rock.
     Hooper Zucconi depois de conhecer um bando de jovens promissores, decide convida-los a ingressar numa viagem à Grécia e, ocasionalmente, os jovens acabam por se conhecer músicalmente.

     Na sequência do aprofundamento da amizade entre Rabin e Wessen de Los Angeles, Hannah e Zucconi de Nova Iorque e Sean Gadd de Londres, o  futuro da banda indie rock começa a vislumbrar-se, e em 2009 dá-se o "parto" de Grouplove.
     Em 2010 lançam-se numa tournée pelos Estados Unidos com Florence and the Machine e passam a ser reconhecidos como uma das dez melhores bandas do ano aclamadas pela revista Nylon Magazine.

     As características sonoras destes cinco indie rockers apela ao espírito festivaleiro e respira a glória da juventude.

     Aqui fica uma das músicas que mantenho em modo repeat, que apesar de o video não ser o original, espelha em muito o espírito dos putos. 



segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

O fascínio da fotografia

     Sabia que a primeira fotografia alguma vez tirada remonta ao ano de 1826 e foi "artísticamente" concebida por um inventor Francês chamado Nicéphore Niépce?

     E sabia que a primeira fotografia a ser colorizada foi feita por um físico e matemático britânico chamado James Maxwell em 1861?


     As fotografias a preto e branco têm a particularidade de nos fazer levar a um momento tão longinquo quanto a própria existência do objecto modelo da objectiva. Têm a capacidade de eternizar um instante tão particular, exato e extinto que poderá anos mais tarde ser sentido e "vivido" por um outro ser humano. 

     Não há dúvida que o preto e branco enaltece e hiperboliza a nostalgia que sentimos de uma época, de um lugar...e principalmente de uma pessoa. Mas quantas vezes não caímos no desejo de poder vislumbrar as cores originais do papelinho que nos alimenta a vista?! Assim, e para que possamos alimentar esta colorização mental que tantas vezes fazemos ao ver uma fotografia "sem cor", um dos brutus, dos três sacanas sem lei, resolveu escolher algumas das que o mais fascinam:
Baltimore, 1939

Descanso de soldados 1863  

    Carolina do Norte, 1939

Ginásio do Titanic 1912

Hitler

Guerra Civil Americana
Charlie Chaplin

Abraham Lincoln


 Lewis Powell- conspirador do homicídio de Lincoln 
 Índio, 1910

Monge budista em protesto, 1963

Clint  Eastwood, 1960

Louis Armstrong a tocar para a sua mulher em 1961

Água exclusiva a negros
Nova Iorque, 1900

Prisioneiros resgatados na II grande guerra

 Grande depressão 1929-30

Grande depressão 1929-30

domingo, 8 de fevereiro de 2015

royksopp I sordid affair I maceo plex remix

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015, fashion tv. de súbito uma música, esta música, embelezou ainda mais a passerelle. não a consegui identificar. fiz pausa. não para atentar no voluptuoso busto da modelo que estava inerte no ecrã mas para descarregar a aplicação que sabe tudo sobre música: shazam. 6.99€. porra, é caro, mas naquele momento de excitação valeu qualquer um dos 699 cêntimos que custou! descobri a música, esta música. desde então, tem tocado ininterruptamente no meu spotify! a modelo, essa, nunca mais a vi!

royksopp I sordid affair I maceo plex remix

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Guerra e Paz - Lev Tolstoi


      Há uns anos, uma figura por quem tenho a maior admiração pelo seu conhecimento literário disse-me: "As obras que qualquer ser humano deve ler obrigatoriamente antes de morrer são, a Bíblia e o Guerra e Paz de Tolstoi."
          
     A filosofia antagónica destas duas obras encontra semelhanças naquilo que existe em cada um de nós...a solidariedade inerente e intrínseca ao homem.
          Das duas, decidi ler o Clássico Guerra e Paz, livro que agora considero obrigatório aos apaixonados das mais belas obras clássicas.
          
        O que mais me apaixonou ao longo dos cerca de 5 meses de leitura da obra, foi o facto de Tolstoi conseguir personificar através das várias famílias, as diversas marcas do carácter social que imperava na Rússia do Século XIX...a mesquinhez, o novo-riquismo, a coragem de um povo sofredor e ostracizado, a ociosidade das altas patentes militares e o paralelismo da felicidade da futilidade e a infelicidade da inteligência e solidariedade.
          
          As personagens mais marcantes e impressionantes na obra, são entre várias, Pierre (figura fictícia) e Mikhail Kutuzov (figura real, Marechal de Campo e herói Russo das guerras napoleónicas).
         
         Em Pierre encontrei inicialmente uma mente perdida e dominada pela luxúria e futilidade, mas que ao longo da obra, muito vagarosamente vai sofrendo uma metamorfose interior, fruto da guerra interior entre a existência do justo e do injusto.
          
      Kutuzov, figura proeminente e distinta da vitória dos Russos sobre as tropas Napoleónicas, inicialmente descredibilizado pelo povo Russo,passa a figurar como grande herói e salvador da "Mãezinha" (Pátria), ao decidir impôr a estratégia inovadora da então agora conhecida "terra queimada", possibilitando assim o enfraquecimento das tropas francesas antes da maior batalha da história da humanidade até então (Batalha de Borodino - O resultado da batalha foi sempre inconcluso, apesar das partes reivindicarem para si a vitória).


        
          Do livro fica a nostalgia de através das palavras de Lev Tolstoi, conseguir mentalmente visualizar os mais pequenos pormenores de cada página.
         
          Depois de ler este maravilhoso clássico, declinei a conclusão que me fez levar à leitura do Guerra e Paz, porque as obras que todo o ser humano deve ler antes de morrer, são o máximo de livros que possibilitem elevar o seu conhecimento enquanto homem.

 
 

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

A tragédia grega contada em números.

Foi sem surpresa que vimos pela comunicação social o anúncio de que o resultado das últimas eleições legislativas gregas seria o possível início de um colapso da União Europeia. Seria interessante ver hoje Ésquilo, Sófocles e Eurípetes a comentar a actualidade na ágora grega. O complexo do Syriza em relação à Troika faz avivar a tragédia do Rei Édipo, sendo que, certamente teremos animado conflito entre a vontade de alguns e os desígnios inelutáveis do destino.

Do ponto de vista financeiro, os últimos dias já se revelaram catastróficos: bolsa a cair, bancos a recorrerem a linhas de emergência. A questão que se coloca no futuro é se Alexis Tsipras será o "bom político" ou o verdadeiro rebelde outsider como ameaçou vir a ser aquando da campanha eleitoral.

É curioso que no país onde nasceu a democracia tenhamos hoje um governo de coligação entre extrema-esquerda e extrema-direita. Se Tsipras se revelar o "bom político" irá executar algumas medidas anti-austeridade mas num tom mais mansinho e com a Europa a caminhar ao lado. Se for radical avizinha-se uma tragédia financeira que subsidiariamente se arrastará aos confins do tecido social grego. 

Nos dois cenários penso que há um lado sempre positivo: a descredibilização da Alemanha enquanto 'dona de isto tudo'. Mesmo que Tsipras seja 'o bom político', a posição da Alemanha sai enfraquecida. É que a Alemanha domina a Europa por defeito e isso ainda fora recentemente notório no conflito diplomático com a Rússia. As críticas do Bundesbank à estratégia do BCE são apenas mais um fator notório do comando germânico. 

O espírito dominador da Alemanha é transversal a toda a história dos últimos 200 anos e talvez esta 'não rendição' grega contribua para chamar à colação essa realidade e reavivar o pesadelo alemão da II Guerra Mundial. É interessante virem os gregos falar no perdão da dívida alemã. Há 60 anos, 70 países decidiram perdoar quase dois terços da dívida externa alemã. O país duplicou o seu PIB na década seguinte.

A opção é delicada. Tsipras irá lançar o seu disco, mas será capaz de fazer estremecer o velho espírito europeu? A ver vamos. Senhoras e Senhores façam as vossas apostas, a olimpíada é de números. Por certo teremos Zorba a dançar ao som Wagner ou Demis Roussos (um dos grandes...) em covers dos Scorpions.

Imagem - Discóbolo de Mirón

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

E voltamos (mais uma vez) nós a falar em liberdade de expressão.


Na senda do atentado ao jornal satírico francês Charlie Hebdo, assistimos a um aumento da atenção dos media para com a arte do desenho, em particular, o cartoon. Este fenómeno é curioso, na medida em que muitas vezes este género artístico é colocado de parte muito em virtude de ser muito radical nas mensagens e corrosivo para com os alvos, sejam eles religiosos ou políticos.

Hoje, cada vez mais, a cultura de massas apregoa as artes dos audiovisuais, e nesse sentido, a música, o cinema e agora as artes gráficas de computação em vídeo - exemplo vide: https://www.youtube.com/watch?v=98skewmQMYo - abarcam a pluralidade de buscas da sociedade nestes géneros de rápido conhecimento e absorção.

O imediato e descartável artístico domina. Deixamos de ser bons interpretes e bons conhecedores quando passamos a confundir as duas coisas. Albert Einstein disse em tempos "a curiosidade é mais importante do que o conhecimento", sendo que hoje, é predominante no homem a procura apenas do conhecimento. Conhecimento per si não envolve paixão e isso não desbloqueia a verdadeira essência do culto. É fascinante perceber que a arte do cartoon é, de fato, uma arte de fiel e célere absorção, mas sempre colocada em plano inferior pela sua ousadia e corrosão. E voltamos (mais uma vez) nós a falar em liberdade de expressão.

Não conhecia o Charlie Hebdo antes do dramático acontecimento. A minha vénia perante os artistas que caíram por paixão a um ofício, a uma arte. Espero que o homem dê valor aos bons artistas deste mundo não apenas num contexto de pesar. Penso que não será desejo da humanidade prestar louvores a lendas e viver embebida na nostalgia. Lembrei-me de um senhor que há uns anos me disse que não faria sentido fazer estátuas e dar nomes de ruas a pessoas notáveis já falecidas... Com ceticismos postos de parte pregamos em bom gáudio: Je suis curieux!

Vou tentar ser um curioso.

Imagem - Hugo Pratt, Corto Maltese, "As Célticas" 1971.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Big Brother is Watching You

  A proliferação de tanto reality show fez converter e confundir o verdadeiro significado do big brother de George Orwell no 1984.
    Felizmente para os "mais atentos", big brother continua a corresponder à ficção contida no aprisionamento totalitário de uma sociedade dominada pelo estado, segundo o qual, tudo é visto coletivamente, mas cada qual vive completamente sozinho por imposição de um regime. Nem tu nem eu escapamos aos olhos do big brother, e todos nós sabemos que qualquer atitude suspeita pode significar o nosso fim. O teu amigo é incentivado a denunciar à polícia de pensamento aquilo que longinquamente te passa pela cabeça...assustador, não é? pois é precisamente esta ficção que se transformou ao longo dos anos numa verdadeira realidade quotidiana.
         
Guerra é paz. Liberdade é escravidão. Ignorância é força.

Nada mais perfeito que aliar a esta obra literária, uma excelente banda sonóra e um grande filme, um conjunto mais que apurado.

domingo, 18 de janeiro de 2015

Malik Bendjellol e "Searching for Sugarman"

Foi com grande pesar que recebemos no passado ano a notícia da morte do realizador sueco Malik Bendjelloul aos 36 anos. Foi notável o seu trabalho realizado com o documentário Sugarmar, vencedor do Óscares da Academia para melhor documentário em 2013. Confesso que, em miúdo, quando comecei a interessar-me por cinema foi crónica a opção pelos grandes filmes de Hollywood em detrimento do género de documentário. No entanto, nas últimas edições dos Óscares da Academia tenho dado especial atenção a este género que muitas vezes passa despercebido. 
"Searching for Sugarman" (tradução em português "Procurando Sugar Man"), para além de ter uma banda-sonora muito forte ao nível da musicalidade das letras escritas entre os anos 60 e 70, é um indagar pela vida desconhecida de um cantor, o qual depois da fama dos anos 70 com dois álbuns editados, foi perdido o seu rasto. 
Mas não se trata de um cantor qualquer. Malik Bendjelloul, ouviu pela primeira vez Sixto Rodriguez na Cidade do Cabo e daí despertou a sua curiosidade sobre o paradeiro do cantor. Fazendo parte do showbiz musical, a lenda sobre o seu destino desenvolveu-se ao longo de quatro décadas. Durante esse tempo, correram os boatos dizendo-se que Sixto Rodriguez se suicidou em plena atuação em palco imolando-se com fogo. 
Ouvi pela primeira vez Rodriguez no ano de 2003 através do álbum de David Holmes and The Free Association, "Come Get It, I Got It" de 2002. Na verdade, para mim a música de Rodriguez não se tratou de "mais uma faixa" da compilação como a versão da grande "Purple Haze" de Jimi Hendrix. Foi novidade. Na música "Sugarman" percebi logo que se tratava de uma voz especial. Tive a sorte de viajar à Cidade do Cabo em 2009 mas não tive o fado de Malik em descobrir a lenda de "Sugarman" por terras de Mandela.
A descoberta por entre o rasto da música de Sixto Rodriguez é o que incendeia o documentário do princípio ao fim. Malik é heroi em ter conseguido retratar uma fama que se desfez com o tempo e ao mesmo tempo trouxe-nos de volta o cantor e a lenda, essa para tirar a limpo!

Bem-haja Malik Bendjellol!!!

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Tangerines - Mandariinid

         
          E porque o cinema não é feito exclusivamente de filmes estadunidenses, aqui fica o trailer de uma história passada numa aldeia estoniana na segunda metade do século XX. A guerra entre Georgia e Abecásia começou em 1992, alterando a vida pacífica dos oriundos habitantes da Estónia. A maioria decidiu voltar para sua terra natal, à excepção de alguns, um dos quais Ivo, protagonista e voz personificada  da "humanidade que há em cada um de nós".

Realizador e produtor: Zaza Urushadze
Atores: Misha Meskhi, Giorgi Nakashidze, Elmo Nüganen
Ano: 2013
País: Estónia